quarta-feira, 16 de março de 2011

Quem perde e quem ganha com o IMESF

O Conselho Municipal de Saúde vem propor, através do presente documento, uma reflexão necessária sobre a decisão do Legislativo Municipal de aprovar a criação de uma Fundação Pública de Direito Privado para gerenciar a Estratégia de Saúde da Família em Porto Alegre – o IMESF.

Afinal, por que o Conselho Municipal de Saúde rejeitou por 28 votos a 2 um projeto que é apresentado pelo governo municipal como a “única” alternativa possível para expandir a Estratégia de Saúde da Família em Porto Alegre? E é neste aspecto que cabe refletir sobre quem ganha e quem perde com o IMESF.

Para pensar em quem ganha, deve-se iniciar olhando para quem mais defende este tipo de proposta. Os governos têm buscado “soluções” como esta visando se “desvencilhar” da pressão que vem sofrendo por parte do Ministério Público (Estadual, Federal, e do Trabalho), no sentido de cumprirem o que preceitua a Constituição Federal, garantindo o regime único e estatutário em relação ao ingresso no serviço público, que deve ser precedido por Concurso Público. O SUS, ao ter definida a descentralização (municipalização) entre as suas diretrizes constitucionais, tem a sua organização, especialmente em relação à rede assistencial, diretamente vinculada às estruturas administrativas dos municípios que tem, por sua vez, a cada dia, arcado com a maior parcela dos custos e responsabilidades finalísticas do sistema. No entanto, em Porto Alegre, há tantas outras circunstâncias gerenciais e administrativas geradoras de “custos” e “deficiências” no resultado das ações e dos serviços de saúde, que tem como origem a própria inoperância da gestão municipal.

No bojo da discussão de mérito da proposta, sempre há o discurso da “modernidade”, de que “copiar” o “privado” é melhor, pois o “serviço público não funciona”, como bem afirmou em programa de TV, um prefeito da vizinhança. No entanto, esta idéia falaciosa desmoraliza o serviço público e cumpre ainda o papel de legitimar, disfarçadamente, aquilo que o setor privado tem de mais característico: o “ganho” financeiro. Claro que no caso em questão, como já ocorreu e ocorre nas versões anteriores, o ganho está especialmente garantido aos que “migram” do privado para o público, ocupando os cargos de melhor remuneração, e influenciando as decisões que convergem para os “desvios” do patrimônio público (lembramo-nos todos do caso SOLLUS). Além disso, na trilha da propalada “modernidade”, está o fim da estabilidade dos trabalhadores, que terão a sua jornada de trabalho “rigorosamente estabelecida e cumprida”. Ora, isso significa, em verdade, que os vínculos estarão também atrelados a uma outra ordem política, em que os trabalhadores terão restringidos seus direitos de atuação e participação na própria condução da política de saúde, estabelecida e garantida na legislação do SUS, que reconhece os trabalhadores como um dos segmentos que o compõem, devendo atuar e participar das estruturas de controle social. E neste sentido, na proposta do IMESF ganha o autoritarismo de um governo que não se dispõe ao diálogo, que demoniza as organizações sindicais, que rechaça o órgão deliberativo de participação social, legitimamente constituído. Na estrutura proposta, maquia-se a participação, e reivindica-se a sua máscara de “democrática”, quando na verdade, o controle absoluto da instituição e de seu suposto órgão de fiscalização, é do governo. Inclusive com a possibilidade de torná-lo, a qualquer tempo, ainda mais restrito.

Sob a pretensa “solução” para o caos da saúde em nossa cidade, manipula-se na mídia as dores da população, afirmando que o IMESF é a única saída para ampliar o atendimento para as comunidades mais carentes. No entanto, a expansão propalada não vai contar com recursos novos, e nem vai terminar com a terceirização da ESF, uma vez que esta tem sido uma alternativa para o ganho de algumas instituições “filantrópicas” e nada garante que elas não irão inclusive se expandir.

E por este lado, portanto, perde a cidade de Porto Alegre, que não terá, mais uma vez, resolvida a verdadeira ”miscelânea” assistencial, que afronta princípios constitucionais como o da equidade, na medida em que reparte a cidade entre os “parceiros”, num mosaico de modelos de atenção, sobre o qual a gestão municipal não tem nenhum controle. Além disso, a pretensa solução não vai resolver a dicotomia da rede de atenção primária, que ainda convive com as UBS no chamado modelo tradicional.

Também perdem os trabalhadores e o serviço público, pois os celetistas do IMESF terão que se submeter a uma Seleção Pública (muitos deles pela quinta vez), para ocupar uma vaga no quadro do Instituto, sem a almejada e necessária estabilidade, que o SUS, por sua própria natureza de uma política pública, exige. Eles não terão acesso a um Plano de Carreira, como prevê a legislação do SUS, quando este vier a ser constituído. Os estatutários, que hoje atuam na rede de atenção primária, também não terão a possibilidade de migrarem para o modelo da ESF, ficando na condição de um quadro paralelo, mantendo-se, assim, todas as dificuldades na gestão de um conjunto tão heterogêneo de vínculos empregatícios.

Por fim perde a cidadania, na medida em que o órgão que a representa, alicerçado nos princípios constitucionais da participação da sociedade no controle da política púbica, é absurdamente desrespeitado. A Constituição Cidadã de 1988, cuja doutrina ecoa também na Lei Orgânica Municipal, prevê sim que os governos constituam e governem com as instâncias de controle social (Conselhos e Conferências), e homologuem as suas deliberações. Com sua atitude arrogante e imperial, o prefeito da cidade e o Legislativo municipal também perdem créditos junto à população, numa demonstração de que a política vigente, de “patrolamento” da participação e da democracia, mancham a condição de Porto Alegre como uma referência mundial, construída de forma tão laboriosa em tempos não tão remotos, e que ainda vibram em nossas memórias e nossa mobilização por um outro mundo possível.


Porto Alegre, 17 de fevereiro de 2011.


Conselho Municipal de Saúde

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